02 novembro 2006

Um verdadeiro revolucionário brasileiro

A propósito do Araguaia
Sandra Negraes Brisolla

Osvaldo Orlando da Costa era um homem grande e simples, como seu nome. Tinha mais de dois metros de altura, era negro e bonito. Eu o conheci quando ele terminava o curso de Engenharia na Universidade de Praga, na Checoslováquia, no início dos anos 60. Eu estava chegando para estudar e ele já estava quase de saída. Osvaldão, como era mais conhecido, era um líder inato. Aliava o bom humor contagiante com uma bondade infinita. Sempre disponível para estudar com os colegas checos e latino-americanos, andava permanentemente rodeado de estudantes, falando alegremente e chamando a atenção dos circunstantes. Sua capacidade de liderança era inconteste: chegou a participar da organização de um dos primeiros centros acadêmicos da Universidade de Praga. Alguns anos mais tarde esse tipo de atividades desembocaria na Primavera de Praga, um movimento que se iniciou a partir da mobilização de intelectuais e de estudantes. Figura exótica no contexto europeu dos anos 60, Osvaldão era foco de curiosidade por onde quer que andasse: - “Quando cheguei, os meninos passavam saliva no dedo e esfregavam meu braço, para ver se a cor saía! As pessoas passavam a mão no meu cabelo! Nunca tinham visto um negro antes.” - ele me contava. Chegou até a figurar em vários filmes na Checoslováquia. Sua estampa era cobiçada pelos cineastas também no Brasil, onde queriam que ele interpretasse Zumbi dos Palmares. Uma vez foi um grupo de brasileiros a uma festa de comemoração do aniversário da independência do Quênia. Osvaldão fez o maior sucesso! Um dos integrantes do grupo de repente virou-se para os demais e disse: - “Vou-me embora, gente! As checas que estão nessa festa estão a fim de preto, não a fim de branco! Aqui o preconceito existe, sim. É francamente favorável aos negros!” - completou. E saiu. Em outra ocasião estávamos percorrendo o Campus da Escola de Engenharia da Universidade de Praga e Osvaldão cruzou com alguns amigos africanos, que conversaram com ele em francês por alguns minutos. Quando se afastaram, pôs-se pensativo e comentou: - “É, Sandrinha. Preciso mesmo voltar pro Brasil! Onde já se viu preto falando francês? Tô ficando besta, sô!” - e soltou aquela gargalhada. Já estava preparando sua volta. Tinha uma namorada loiríssima, quase da sua altura. Quando chegou a época de voltar pro Brasil, a checa queria acompanhá-lo. Mas ele ponderava, decidido: - “Você acha que eu vou poder passear com uma lourona dessas na calçada de Copacabana? Vou ser linchado !!!” Pouco tempo depois regressou à terra natal, deixando a loira em Praga, inconsolável. Nunca mais o vi. Um dia eu também voltei ao Brasil. Alguns anos mais tarde fiquei sabendo que Osvaldão era um dos líderes mais destacados da guerrilha do Araguaia. Levou consigo para Ximbioá Gilberto Olímpio, com quem havia estudado em Praga. Gilberto não chegou a terminar o curso de Engenharia, preferindo seguir as pegadas de seu amigo. Osvaldão foi um dos últimos a “desaparecer” no Araguaia, em 1974. Hoje, 21 anos depois, procuro ansiosa seu nome entre os desaparecidos. Percorrendo a lista por ordem alfabética, passo primeiro pelo nome de Gilberto Olímpio Maria, estudante, PC do B - Araguaia, 1973. E mais adiante, para meu espanto, leio: Osvaldo Orlando da Costa, lutador de boxe, PC do B - Araguaia, 1974. Meu susto foi por não ver “engenheiro”, no lugar da profissão, ao lado de seu nome. Mas não sei por quê me espantei! Afinal, “lutador de boxe” combina melhor com seu porte e sua cor! E foi então que concordei com ele! Pois é, Osvaldão! Você estava coberto de razão! Não dava pra trazer uma loira de quase dois metros de altura com você em 1963! Você teria sido linchado! Onze anos antes de ser desaparecido! Dizia-se na época que perto de Xambioá havia uma reserva de mineral radioativo, que era alvo de contrabando por helicópteros norte-americanos que pousavam no campo, seus tripulantes desciam com roupas especiais e abriam a porta para que os moradores locais carregassem o minério, sem proteção nenhuma, a troco de algum dinheiro. Não sei se era lenda! Hoje estão revirando o terreno de Xambioá em busca dos restos de Osvaldão e seus companheiros, 30 anos depois do massacre de que foram vítima. Homens como Osvaldão, sacrificados na luta contra a ditadura, teriam feito muita diferença na construção de um Brasil melhor, depois da democratização! Osvaldão não era o ser insensível que se acredita encarnar nos guerrilheiros por força das condições adversas. Transpirava solidariedade e o que o movia não era nenhum complexo ou frustração, a não ser com as condições inumanas em que vivem seus concidadãos. Foi por isso que se transformou em lenda! Osvaldão antes disso já era um caso de sucesso! Encontrar neste momento seus restos mortais, assim como o de seus companheiros, e prestar-lhe uma homenagem, não vai reparar o mal causado por seu assassinato, mas vai manter viva sua memória, para que outros se mirem em seu exemplo, tirando dele a lição de que mais importante que ter sucesso na vida é dar a ela algum sentido! Um sentido que resgate a dignidade do homem brasileiro!

Fonte: Jornal da Unicamp

Sandra Negraes Brisolla, professora aposentada e voluntária do Depto. de Política Científica e Tecnológica da Unicamp, morou dois anos na Checoslováquia, entre 1962 e 1964.

Para saber mais sobre a Guerrilha do Araguaia, acesse o site: http://www.desaparecidospoliticos.org.br/araguaia/1.html

Amistad, contrato: mleandro17@hotmail.com

28 outubro 2006

Contos y Cantos foi a grande inspiração

A criação do Amistad foi, acima de tudo, a realização de um sonho que teve início na década de 80, quando um grupo de jovens idealistas apresentaram aquele que iria se tornar um dos principais grupos musicais da história de Angra dos Reis. O CONTOS Y CANTOS, formado por Moacir Saraiva, Fernado Grande, Márcio, Beto, Odorico Sérgio e Paulinho São Gonçalo, estreou oficialmente no dia 02 de abril de 1982 em uma emocionante (como classificou o Jornal Maré de 16/07/1982) apresentação na Igreja da Lapa. O grupo, que se preparou com muita obstinação durante três anos, começava a viajar na história com melodias que iam desde a idade média, na Europa, até a música contemporânea da América Latina. Mas foi a face andina do Contos y Cantos que mais empolgou os integrantes do Amistad a reviverem esses momentos tão marcantes. Márcio Leandro, sobrinho de Odorico Sérgio, cresceu ouvindo alguns dos compositores que frequentemente figuravam no repertório do Contos y Cantos e que foram presença obrigatória no trabalho do Amistad: Victor Jara, Violeta Parra, Uña Ramos, Oscar Valles, entre outros. Como aconteceu com o Amistad em 2005, o Contos y Cantos também sofreu uma ruptura e teve uma segunda formação (foto) que também realizou um excelente trabalho. Hoje o Amistad tem passado um período de readaptação e em poucos aspectos lembra o Contos y Cantos, mas a vontade de seguir fazendo arte de forma responsável e independente, com certeza, é a mesma.

Amistad, contato: mleandro17@hotmail.com

22 outubro 2006

Victor Jara: o menestreu da Unidade Popular

VICTOR JARA é um dos compositores que mais inspiraram a criação do Amistad. Suas canções com temáticas sociais e políticas se tornaram verdadeiros hinos contra a repressão e as injustiças sociais. O texto abaixo é de Augusto Buonicore e descreve os últimos momentos deste ícone da cultura latino-americana.

Na manhã do dia 11 de setembro de 1973 a notícia do golpe militar já havia corrido todo o país. Seguindo uma orientação da CUT chilena, Victor Jara se dirigiu apressado à Universidade Técnica para se juntar aos estudantes e professores que prometiam resistir. O Campus foi cercado por tropas do exército. A madrugada foi de terror, ouvia-se tiros e explosões por todos os lados. Os que tentaram escapar do cerco foram imediatamente abatidos. Victor buscou, então, elevar a moral dos sitiados usando a sua melhor arma: o canto.Na manhã do dia 12 de setembro os tanques iniciaram o ataque contra a universidade. Depois de uma luta desigual, os resistentes foram obrigados a se render. Reunidos no pátio, forçados a se deitarem com as mãos na cabeça, começaram a ser espancados e humilhados. A multidão foi levada até o Estádio Chile. Mal chegou ao Estádio Victor foi reconhecido por um oficial fascista que lhe disse "Você é aquele maldito cantor, não é?". Antes que pudesse responder foi barbaramente agredido e conduzido a um local especial do estádio - dedicado aos militantes mais perigosos. O destino de Victor Jara já estava selado.Os militares o levaram arrastado ao porão onde foi novamente espancado e torturado. Quando foi reconduzido às arquibancadas seu rosto estava ensangüentado e mal podia andar ou falar. O clima ali era dantesco. Muitos dos prisioneiros tinham surtos de loucura, tentavam escapar e eram executados. Outros simplesmente se suicidavam.No dia 14 de setembro os prisioneiros começaram a ser transferidos para o Estádio Nacional do Chile. Victor pressentindo que aqueles seriam os seus últimos momentos, pediu papel e caneta e no inferno escreveu o seu derradeiro poema: "Somos cinco mil/ nesta parte da cidade./ Somos cinco mil./ Quantos seremos no total/ nas cidades e em todo o país?/ Somente aqui, dez mil mãos que semeiam/ e fazem andar as fábricas./ Quanta humanidade/ com fome, frio, pânico, dor,/ pressão moral, terror e loucura!/.../ Que espanto causa o rosto do fascismo!/ (...)/ É este o mundo que criaste, meu Deus?/ Para isto seus sete dias de assombro e de trabalho?" Mal acabou de escrever seus últimos versos os carrascos vieram buscá-lo. Os companheiros de infortúnio conseguiram milagrosamente salvar o seu poema. Novamente começou a sessão de espancamento. Um oficial fascista gritou várias vezes: "Cante agora, se puder, seu filho da puta!". Victor, quase sem vida, ainda conseguiu reunir suas últimas forças para cantar a estrofe do hino da Unidade Popular, "Venceremos!". A última etapa de seu martírio começou ali mesmo.Brutalmente agredido, tendo as mãos quebradas, foi arrastado aos porões do Ginásio. Esta foi a última vez que o viram vivo. Dois dias depois seis corpos desfigurados e perfurados a bala foram achados na periferia na cidade. Um deles era do compositor e militante comunista Victor Jara.

Veja também o vídeo de Victor Jara no Perú: http://www.youtube.com/watch?v=UFCFteilx04

Amistad, contato: mleandro17@hotmail.com

Uma apresentação emocionante

Sabe quando várias emoções se misturam e fica até difícil definir exatamente o que você está sentindo? Foi assim que os cinco integrantes do grupo Amistad se sentiram quando pisaram no palco do Teatro Municipal, na quinta, 21, para sua estréia. O grupo oriundo do Coro Experimental, cantou pela primeira vez num evento só deles, com um repertório escolhido por eles e para um publico muito especial.
O repertório do grupo Amistad, criado no início do ano [de 2004], é inspirado no Grupo Contos y Cantos. Os integrantes pesquisam canções, instrumentais ou não, latino-americanas e interpretam. São canções criadas nos anos 50, 60 e 70 que tem como temática [o protesto contra] a repressão da ditadura. Para isso o maestro Moacir Saraiva, que já participou do grupo Contos y Cantos, é peça fundamental na montagem do grupo Amistad. Ele participou da apresentação tocando instrumentos típicos [dos países da América Latina].
Na platéia, remanescentes do grupo inspirador se emocionaram. Isso foi sentido pelos integrantes do Amistad, já que as músicas do repertório – que contou com Chico Buarque e outros cantores [e compositores] da Argentina, Chile, Bolívia e Peru – já eram conhecidas pela maioria. Essa foi apenas a primeira das muitas apresentações do grupo. A próxima etapa será no Abraão, na Ilha Grande, em uma apresentação em dezembro deste ano.

Matéria da repórter Vanessa Valle publicada no Jornal Maré no dia 29/10/2004.

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